Por André Montesno – Sócio Fundador do escritório Montesano Advocacia Empresarial.
Muito comum nas autuações fiscais realizadas sobre comprovação de pagamento de despesas dedutíveis em IRPF – Imposto de Renda Pessoa Física, que seja apresentado cópia de cheques nominais, transferência bancária, depósito bancário ou extrato bancário demonstrando saque em valor compatível e na mesma época do pagamento.
Em poucas situações, a apresentação do recibo emitido pelo prestador de serviços é prova do efetivo pagamento, mesmo em se tratando de valor considerado baixo.
Aduz o Fisco que, para fins de comprovação da validade dos recibos, os pagamentos dos recibos deveriam se dar por cheque, cartão, ou transferência bancária.
Porém, tal afirmativa não tem guarida alguma no ordenamento jurídico pátrio, sendo, portanto, abusiva. Até porque, não há que se falar em limitações para o uso dinheiro em espécie para pagamentos.
Neste sentido, o que pretende a Fazenda é uma medida extrema, pois, A UMA, ninguém é obrigado a efetuar pagamento em cheque. A DUAS, ninguém está obrigado a receber pagamento em cheque. A TRÊS, a quebra de sigilo bancário depende de autorização judicial, sendo que a exibição de cheques somente é devida em caso de inexistência dos recibos.
Pelo disposto na legislação vigente, a “indicação do cheque nominativo pelo qual foi efetuado o pagamento” (e não a sua apresentação) far-se-á tão somente quando não forem apresentados os recibos referentes aos pagamentos efetuados. Uma vez apresentados os recibos, não há porque tecer outras exigências, absolutamente destituídas de amparo legal.
Por conseguinte, não deve a autoridade fiscal invalidar os idôneos recibos apresentados pelo contribuinte, justificando-se por meio de uma disposição que, na verdade, trata de situações de exceção, nas quais existam patentes evidências de nulidade que invalidem de fato os recibos apresentados.
Tais situações, criadas no plano infraconstitucional e da mera regulamentação do tributo, afrontam o princípio da tipicidade tributária, vez que, nesse campo, a lei tributária brasileira deve trazer, objetivamente, todos os aspectos ou critérios necessários ao adequado cumprimento da obrigação tributária, garantindo assim maior segurança jurídica.
Nesse passo, considerando a tipologia fechada da norma tributária e que a lei tributária não pode modificar o alcance ou o conteúdo dos demais institutos de Direito (art. 111, CTN), a legislação civilista pátria determina que o pagamento feito em moeda corrente libera o devedor, que, por sua vez, recebe do credor o documento comprobatório da extinção da sua obrigação.
Corolário às prescrições legais, assim se manifesta o jurista De Plácido e Silva (Vocabulário Jurídico. Vol. III. 12ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1993, p. 305):
(…)
Em regra, a prova do pagamento das obrigações é feita pelos mesmos meios por que elas se provam.Relativamente aos pagamentos em dinheiro ou de dívidas, provam-se por meio de recibos ou quitações passados pelo credor ou por seus mandatários autorizados.
No mesmo sentido leciona com maestria o Prof. Caio Mário da Silva Pereira (Instituições de Direito Civil. Vol. III. 13ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1994, pp. 132-133):
A quitação poderá consistir na devolução do título da dívida ou na entrega, ao devedor, de um recibo em que o credor, ou quem o represente, mencionará: a) o nome do devedor ou de quem por este pagar; b) o tempo e o lugar do pagamento; c) especialmente o valor e espécie da dívida. (…) Da menção do conteúdo do recibo extraem os doutores os requisitos da quitação, que são precisamente estes. Mas, não havendo, como não há, forma sacramental para sua menção, valerá ela e extinguirá o débito, quando se possa induzir do contexto. (…) Se é necessário que designe o nome do devedor, não menos certo é que prevalecerá se a sua indicação fora do contexto for induvidosa. Mesmo a falta da assinatura do credor é suprível, quando o recibo for da sua lavra todo inteiro e as circunstâncias autorizem concluir pelo pagamento (Orozimbo Nonato), como se houver conformidade com o recebimento de um cheque. (…)
Em remate, as preciosas lições de Washington de Barros Monteiro (Curso de Direito Civil. 4º vol. 27ª ed. atual. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 255), que leciona no mesmo sentido:
A quitação vale qualquer que seja a sua forma, ainda que uma escritura pública tenha sido da substância do ato, ou da obrigação, a prova do respectivo pagamento pode consistir em simples quitação do credor, feita em forma regular. Regular se diz a quitação na hipótese do art. 940 (atualmente, art. 320 do Novo Código Civil): a quitação designará o valor e a espécie da dívida quitada, o nome do devedor, ou por quem este pagou, o tempo e o lugar do pagamento, com a assinatura do credor ou do seu representante. Por outras palavras, a quitação deve ser expressa, positiva, com específica menção da dívida quitada, valor e espécie.
Em retomada ao cerne tributário, constata-se que os dispositivos legais apontados informam que as despesas são comprovadas mediante apresentação tão-somente do comprovante de pagamento. Este é caracterizado por recibo passado pelo credor, que especifica o nome, número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF), valor, nomes do credor e do devedor, tempo e lugar do pagamento.
Caso haja algum motivo fundamentado de que os recibos não sirvam para comprovação, seja por suspeita de simulação, seja por não representar a total verdade dos fatos, seja por estar em desacordo com a legislação pertinente, a fiscalização deve demonstrar sua ocorrência para embasar a glosa do crédito tributário em desfavor do contribuinte, não bastando mera rejeição dos recibos apresentados.
Portanto, não basta apenas ao auditor fiscal simplesmente desconsiderar esta ou aquela despesa médica, com fulcro em critérios subjetivos. Tem que demonstrar, objetivamente, que os recibos apresentados são inválidos, nos termos dos acórdãos supratranscritos. Caso contrário, as despesas comprovadas pelos recibos lavrados pelos respectivos credores são válidas, para fins de dedução da base de cálculo do imposto de renda.